sábado, 7 de novembro de 2009

O HOMEM DE ROUPÃO ( MARTHA MEDEIROS)

O Homem é um arraso. Alto, bonito, meio enigmático. Conversa de modo pausado e olhando nos olhos, e que olhos. Não faz cinco minutos que você conheceu a peça e já está pensando na simpatia que vai fazer em casa para que este executivo abençoado e solteiro entre na sua... Mas parece que não vai ser preciso. Escute: ele está convidando você para jantar.

No restaurante, foi educado, divertido e não permitiu que você rachasse a conta com ele. Abriu a porta do carro para você entrar. é agora. Você vai ou não vai conhecer o apartamento do executivo abençoado e solteiro? Voce já está lá.

Tudo muito bonito. Muito bem decorado. mas estranhamente asséptico para um homem que mora sozinho. As plantas estão todas vivas e serelepes. Os vidros, imaculados. Tapetes penteados todos para o mesmo lado. E o quarto? Livros com autores em ordem alfabética. Nenhum sapato em baixo da cama. Nem sinal de ácaros. Você aproveita que ele não está por perto e abre o guarda-roupa. Tudo separado por cores, em degradê. É o Imeldo Marcos dos sapatos, pares em profusão, porém nenhum tênis. Ternos Ermenegildo Zegna e as gravatas guardadas em gavetas etiquetadas com nomes de países: Inglaterra, França, Japão. Você fecha tudo com cuidado e se pergunta: onde esse homem se enfiou?

No banheiro. Tomando um longo banho. Pelo visto, não está com pressa. 45 minutos depois, ele reaparece de roupão branco com o brasão da família bordado. Cuidadosamente penteado. Hidratado. Perfumado. Como você vai fazer sexo com esse cara sem desmanchá-lo?

Na hora do bem-bom, tudo bem mais-ou-menos. Primeiro, um papai-e-mamãe. Depois, papai-e-mamãe. E por último, papai-e-mamãe. Você se sente casada com ele há 46 anos. De repente, uma esperança: ele chama você para a banheira. É agora que vai começar a selvageria. Ele joga você dentro d’água. Alcança três toalhas. E bate a porta, rumo a outro banheiro, pois prefere uma chuveirada.

Quando você volta para o quarto, os lençóis já foram trocados, a janela foi aberta para arejar o ambiente e toca As quatro estações, de Vivaldi. Ele, de dentes escovados, hálito puro, convida você a se retirar. Você sai e ainda dá tempo de vê-lo limpando suas digitais do trinco da porta. Você que já havia enfrentado todo o tipo de depravado, jamais imaginou que um dia seria vítima de um maníaco por si mesmo."

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